31.5.12

Foram cardos Foram prosas



Manuela Moura Guedes

Há luz sem lume aceso
Mas sem amar o calor
À flor de um fogo preso
À luz do meu claro amor
Há madressilvas aos pés
E águas lavam o rosto
Dedos que tens em rés pés
Oh, meu amante deposto
Não foram poemas nem rosas
Que colheste no meu colo
Foram cardos, foram prosas
Arrancadas do meu solo
Porque tu ainda me queres
O amor que ainda fazemos
Dá-me um sinal se puderes
Sejamos amantes supremos
Será sempre a subir
Ao cimo de ti
Só para te sentir
Será no alto de mim
Que um corpo só
Exalta o seu fim

Variação

Carregar para vender, levantar para comprar!
Bem aviado... A "esbordar"...
A crescer e a minguar, como pôr àgua no vinho!
Mais ou menos abonado...
De catulo!!!
Arrobas e quartilhos,
... quartos e meios, salas cheias!
Almudes de sonhos.
Centos de desilusões...
Alqueires e grosas, duzias a oitavos!
Três quartos e quartos inteiros...
Kilos, litros, atados a molhos...
Três tostões de sabão... Pipas a bardas!
Cartuchos por grosso, quarteirões a retalho!
Resmas, milhares, maços e fardos.
Fardo de vida, a medir, a pesar
Sempre a penar!
Sem tempo para rimar...

29.5.12

Batendo...

Abri-me ao teu bater.
Que estranho bater este...
Que me bate!
Que do passado vem batendo...
De segredos esse bater...
Que em mim transborda...
Que a minha alma desnuda...
Que vem de onde o sol nasce...
De onde a Lua descansa...
E que brilha...
Iluminando-me...
Batendo no meu coração!

28.5.12

Soltas, aladas...


Abrem ferida e de frio magoam;

Brandas, expressivas, afagam o sentir;

Palavras que demoram o tempo,

as levam o vento e aquecem ao ouvir:

Que sossegam no coração ecoando;

Palavras, suspiros e gritos, à porta da alma,

Pétalas ou lâminas

Dor ou amor

Palavras, simples palavras...

3.5.12

Demanda da Ventura - Eugénio de Castro

Com diamantes nos dedos, recostado
num automóvel de faustoso brilho,
subitamente vejo, do meu trilho
pobre casal num ermo desolado.

No portal, p'las videiras sombreado,
descalça mãe dá de mamar ao filho,
e o pai na fresca leira rega o milho,
de barba hirsuta, semi-nu, curvado.

À cata da Ventura, cada artéria
pulsa em mim, e em negríssima miséria
aquela gente aguarda em paz a Morte.

Mas nisto, ao cavador que rega o chão,
vontade tenho de bradar: - "Irmão,
queres trocar comigo a tua sorte?"